domingo, 20 de fevereiro de 2011

INSTINTO, INTELIGÊNCIA E ESCOLHAS


João Eduardo Ornelas
 Os atrativos da matéria densa foram criados por Deus para que nosso estágio na terra não fosse tão doloroso e se cumprisse no tempo necessário. Caso não houvesse nenhuma satisfação em viver encarnado o homem não teria estímulos para manter-se vivo. O prazer no sexo garante a procriação. O prazer na alimentação garante os nutrientes necessários à sobrevivência. Caso não existissem, se não houvesse atrativo no sexo, porque praticá-lo? O mesmo pode-se dizer da comida, se não tivesse sabor ao paladar, porque ingeri-la? O homem se entregaria ao desânimo, se enfraqueceria e desencarnaria rapidamente sem ter assimilado as experiências necessárias à sua evolução. A existencia da humanidade terrestre estaria comprometida.
 Dentro do limite esses prazeres são importantes e até indispensáveis para sobrevivência da espécie, mas ultrapassados esses limites tornam-se nocivos e tendem a prender o espírito na matéria um tempo maior do que o necessário atrasando assim sua evolução. Segundo Hermínio C. Miranda “É preciso compreender que os prazeres que a vida na matéria proporciona não foram criados com a intenção ardilosa de seduzir a entidade espiritual, mas como uma espécie de compensação pelos desconfortos e dificuldades que ela igualmente oferece”. (livro Alquimia da Alma, pág. 32)
 O sexo e alimentação são instintivos. Segundo Allan Kardec “o instinto é a força oculta que solicita os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários tendo em vista a conservação deles” (A Gênese, cap. III, pág 74-FEB). Levada pelo instinto uma  planta procura naturalmente a luz do sol e lança suas raízes para a terra e um animal tido como irracional busca o melhor ambiente para sua sobrevivência. É também pelo instinto que uma criança faz os primeiros movimentos, chora e busca o seio materno a fim de saciar a fome. A respeito do instinto Kardec não chegou a uma conclusão precisa quanto à sua natureza exata, deixando em aberto a questão. Concluiu apenas que provém de uma causa inteligente, já que é sempre sábio e correto e visa à preservação do ser. Uma de suas hipóteses é que talvez seja ação direta do anjo guardião de cada ser que age visando preserva-lhe a vida e a integridade em situações em que não pode se cuidar sozinho, corroborando para essa teoria o fato de que o instinto predomina sobretudo nas crianças e nos seres cuja razão é fraca.
 Mas o ser humano não fica indefinidamente sob influencia dos instintos, já que possui inteligência e à medida que essa se desenvolve, a ação do instinto diminui. A inteligência no dizer de Kardec “se revela por atos voluntários, refletidos, premeditados, combinados, de acordo com a oportunidade das circunstancias” (A Gênese, cap. III, pág. 75, FEB). O instinto é automático e independe de nossa vontade, a inteligência é deliberada sendo, portanto livre. Enquanto o primeiro é sempre correto e seguro, a segunda exatamente por ser livre está sujeita a errar. Com o aumento da inteligência outro atributo se desenvolve, o livre-arbítrio que é a autonomia de escolha. E nem sempre o ser humano escolhe com acerto, pois sua inteligência avalia aspectos de seu interesse que por vezes são movidos pelo egoísmo e pelo orgulho. Assim é que embora o instinto de sobrevivência leve o ser a procurar segurança, a inteligência, o livre-arbítrio podem levá-lo a praticar esportes radicais que põe em risco sua vida somente pela emoção que o perigo proporciona. Essa mesma inteligência quando focada em interesses vis e inescrupulosos leva a muitos a optarem pela criminalidade como meio de obter poder, riqueza e prazer.
 Observa-se muitas vezes que enquanto o instinto impera no ser seus efeitos são corretos e benéficos levando a resultados satisfatórios. Quando, porém a inteligência se desenvolve e passa a substituir o instinto, já não se observa mais essa segurança de resultados, uma vez que como já foi colocado a inteligência é livre e sujeita os equívocos. Essa constatação levou Allan Kardec a fazer uma consideração a respeito do instinto maternal, o mais nobre de todos, e que no seu entendimento não devieria ser entregue às eventualidades caprichosas da inteligência e do livre-arbítrio, pois por intermédio da mãe o próprio Deus vela pelas suas criaturas que nascem.
 Com efeito, o instinto maternal é presente em todas as espécies. Qualquer fêmea da raça animal dita irracional, movida pelo instinto protege sua cria pondo em risco sua própria vida. Na raça humana, porém, dotada de inteligência e livre-arbítrio acontecem fatos lamentáveis tais como abortos, crianças abandonadas à própria sorte e às vezes atiradas ao lixo logo que nascem.
 Mas porque será que Deus permite que tal aconteça? As leis de Deus são perfeitas e justas e visam somente ao bem sendo que o homem encontra em si mesmo tudo o que é necessário para cumpri-la. Essas leis estão inscritas nas consciências dos homens e Deus mesmo as fez lembrar através de seus enviados, os messias e profetas em todos os tempos: Sócrates, Confúcio, Buda e Jesus, nosso mestre maior. E há 152 anos nos enviou o consolador prometido , aquele que veio para relembrar  e completar os ensinamentos  cristãos:  o Espiritismo. As rotas divinas são seguras e se o homem não as segue é por seu livre-arbítrio, e por isso sofre como conseqüência de seus atos equivocados.
 Diante do exposto poderíamos perguntar: se o homem erra ao usar a inteligência e o livre arbítrio não lhe seria melhor permanecer vivendo ao nível dos instintos? Dessa forma não seriam cometidos erros absurdos e cruéis como o da mãe que abandona o filho recém nascido. Entendamos contudo que o objetivo da vida é a evolução, o progresso, o crescimento. Querer permanecer ao nível dos instintos para não assumir as responsabilidades do agir pela inteligência é recusar a evolução. Seria como querer permanecer criança freqüentando a escola infantil recusando-se a crescer e cursar o segundo grau e a universidade.
 O homem é o rei da criação e nele Deus deposita a esperança de grandes feitos. Pela inteligência o homem impulsionou o progresso. O instinto apesar de guia seguro o mantinha em situações de atraso cultural, tinha pouca influencia no meio ambiente e era presa fácil dos males naturais, dos cataclismos etc. Pela  inteligência o homem desenvolveu a agricultura, a pecuária e a ciência em geral. Alcançou altos níveis de conhecimento embora esteja ainda engatinhando sob vários aspectos, sobretudo quanto a desenvolvimento moral.
 Deus criou o bem, o mal nasce do agir errado dos homens. Mas chega um dia em que cada um sente no intimo a necessidade de mudar, cansa de sofrer e praticar o mau, e açodado pelo sofrimento decide pelo mesmo livre arbítrio que o levou a traçar caminhos tortuosos, a agora procurar caminhos corretos. É o momento de crescer de fato. A dor é o aguilhão que impulsiona a evolução. Portanto não reclamemos dessa que é o um grande recurso didático da escola da vida, mas antes aprendamos com ela a encontrar nosso caminho para o Alto, a utilizar nossa liberdade de escolha com sabedoria nos desvencilhando das amarras dos instintos primitivos.
“A dor é o rompimento do casulo que envolve nossa compreensão”. (Kalil Gibran)

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